quinta-feira, 29 de julho de 2010

João Augusto Lira

A postagem de hoje é de autoria do meu queridíssimo amigo João. Mas ele não é, apenas, meu amigo. Ele é tradutor, ator, poeta, crítico literário, pesquisador e professor! Ufa! Ele também é o responsável pelas melhores e mais divertidas tardes de terça-feira (no cac), forever and ever! Bem, babação à parte, eis um de seus belíssimos poemas:



NO CORAÇÃO LARGO DA HORA



I

Doce leitoso deste verde,
melaço de sol
escorrendo nas vigas da tarde caramelada.

Varal do luzeiro vespertino,
marulho de asas
esvoaçando florões em corais de ametista.

Candeia de indizíveis lamparinas,
voz de silêncio perolado
embalando o sono das cicatrizes serenadas.

Silvo da instância fugidia,
transe febril do acaso
escrevendo versos da imagem explodida.

Tempo é palavra
buscando se dizer.

Mudo e temerário ele resiste
na largura de sua hora soletrada,
de infinitas fronteiras ladrilhado.

Toda palavra é tempo
procurando não passar.

No sonho do verbo dormem sílabas de esmeralda,
casa incendiada
do fogo que não se apaga.

Toda poesia é tempo
de palavra que não passa.

Sopro de pedra em respirar transgredido,
noite serena
da hora que não se gasta.


II

Difícil saber o quanto se faz
merecido a este apreço,
como tanto se dar
a este todo inebriado.

Difícil acreditar o quanto se dura
na cancela do escuro iluminado,
onde o tempo esconde
a voz de sua verdade irrevelada.

Como algo que não se espera,
mas sempre íntimo.
Como algo que se tem,
mas não se cabe.
Como algo que se quer,
mas não se justifica.



III

No viés do instante apalavrado
está subscrita a hora primeira
do tempo que não se pronuncia.

Letra imaculada do mistério,
sombra cingida
de luas silenciadas.

Palavra de gosto nacarado,
azeite de prata
e ocultos sabores de barro.

Noite caolha que deságua,
página mágica
de luto estrelado.



IV

Os sóis que acendem
as guirlandas dos dias
enfeitam auroras
de brilhos laranjais.

No plural de sua arquitetura,
a hora tece caprichosa
cintilantes bordados de ágata.

Ventanias de amores,
e prantos sonoros.
Flúvias tempestades desabadas,
e perfumes molhados.

Casas de azul e maresia,
despertadas na manhã qualquer.
Sal de toda boca,
lábios de todo mel.

Nunca é tarde
para o girar dos teares.
Nunca é pouco
para o borrar das cores adocicadas.
Nunca é demais
para a palavra renovada.


 V

Sobra de luz que não escurece,
chave telúrica
da porta que não se fecha.

Noite que acende no dia que apaga,
sela o cristal amarelo
do brilho que viceja.

No verbo que não se diz,
fala a presença
do silêncio que não cala.

O tempo de acontecer jamais enrubesce
a verdade inaudita.

O tempo de entardecer jamais esquece
a hora que implica.

O tempo de escurecer jamais anoitece
a palavra que fica. 

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