(1983)
à memória de Ernest Becker
Vida da minha alma:
Recaminhei casas e paisagens
Buscando-me a mim, minha tua cara.
Recaminhei os escombros da tarde
Folhas enegrecidas, gomos, cascas
Papéis de terra e tinta sob as árvores
Nichos onde nos confessamos, praças
Revi os cães. Não os mesmos. Outros
De igual destino, loucos, tristes,
Nós dois, meu ódio-amor, atravessando
Cinzas e paredões, o percurso da vida.
Busquei a luz e o amor. Humana, atenta
Como quem busca a boca nos confins da sede.
Recaminhei as nossas construções, tijolos
Pás, a areia dos dias
E tudo que encontrei te digo agora:
Um outro alguém sem cara. Tosco. Cego.
O arquiteto dessas armadilhas.
XI
Faremos deste modo
Para que as mãos não cometam
Os atos derradeiros:
Envolveremos as facas e os espelhos
Nas lãs dobradas, grossas.
E de alongadas nódoas, o ressentimento.
Pintadas as caras num nariz de gesso
Recobriremos corpo, carne
Na tentativa cálida, multiforme
Na rubra pastosidade
De um toque sem sofrimento.
E afinal
Cara a cara (espelho e faca)
De nossas duplas fomes
Não diremos.
XIV
Como se desenhados
Tu
E o de dentro da casa.
Entro
Como se entrasse
No papel adentro
E sem ser vista
Rasgo
Alguns véus e fibras
Sem ser amada
Pertenço.
Que sobreviva
O fino traço de tua presença.
Aroma. Altura.
E lacerada eu mesma
Que jamais se perceba
Umas gotas de sangue na gravura.
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