domingo, 18 de julho de 2010

Herberto Helder



Os animais carnívoros

Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo
sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia
depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um
parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais
diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, desco-
bria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava
impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o
que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e
urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às
nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então
os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha
intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora
era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos
eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era
uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas
abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.

2 comentários:

  1. Adorei a nova aparência do blog...

    Para compensar a ausência, eis um prémio para ti, lá num dos meus estaminés:

    http://aboutnothingness.blogspot.com/2010/07/sunshine-award.html

    Beijo grande.

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  2. Ane,
    o tempo, ah o tempo, por mais estreito que se nos apresente não levará decerto a fome de poesia e literatura.

    Começo meu retorno aqui; neste espaço aconhegante (ainda mais bonito), para ler-te, ainda que por meio de outro autor; mas é a você que credito a sensibilidade, a leitura, a busca.

    Linda postagem!!

    Beijos.
    Ricardo

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