segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ferreira Gullar

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
-que é uma questão
de vida ou morte-
será arte?

2 comentários:

  1. Ah essa doce confusão de não ser um só, de não se caber, de não se saber... esse impasse é certamente a matéria-prima com a qual construímos nossa personalidade.

    Ah, Ferreira, se eu soubesse as respostas...

    Bela reflexão, Ane.

    Beijos.
    Ricardo.

    Completo com um comentário meu utilizado em outro blog.

    'Mundo meu em que não estou...
    Em que dia haverá um encontro de fato entre os meus vários eus? Onde moro mais? Por dentro no que é 'meia verdade'? Ou por fora, no que se apresenta separadamente em partes?
    Enquanto as respostas não vêm, eu quase sou.'

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  2. Obrigada por tão belas palavras, Ricardo!

    "Enquanto as respostas não vêm, eu quase sou."

    E como diria Quintana: "Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não a gente a ele!"

    Beijos,
    Ane

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